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Património português na Roménia, de Simion Doru Cristea

Património português na Roménia

Artigo publicado no DicionárioTemático da Lusofonia

A Roménia é um país com uma realidade cultural e espiritual que na sua complexidade valoriza dois mundos: o oriental, enraizado no período neolítico, e o ocidental através da língua latina, herança de Roma e dos seus costumes. Por isso, podemos falar de um tradicionalismo assim como de um modernismo, de mística, religião, contemplação, espírito crítico, racionalismo e outros.
No aspecto da língua, o integralismo linguístico de Eugenio Coseriu, numa continuidade aristotélica e humboldtiana, interpreta a língua como uma actividade. Nesta altura, podemos falar sobre línguas romena e portuguesa ou qualquer outra língua neolatina, como ramificações da língua latina viva que se fala sem interrupção num espaço geográfico determinado de uma população que tinha uma técnica histórica de falar latim.
E se os Romenos que vivem hoje em Portugal, quando falam, utilizam algumas palavras criadas por eles numa mistura com a língua portuguesa, estão a materializar possibilidades latinas latentas da língua portuguesa.
A criatividade linguística dos povos romeno e português conserva bem a nossa latinidade, e o fundo lexical principal das nossas línguas é praticamente o mesmo. Om (homem), fiu (filho), muiere (mulher), casa (casa), ai, (alho), eu (eu), tu (tu), dorm (durmo), etc., ou frases como: Vaca paste iarba. (a vaca pasta erva).
A colonização da Dácia pelos Romanos foi a primeira conjuntura na qual a população hispânica chegou ao território cárpato-danubiano-pôntico, trazendo as suas mentalidades e topónimos; assim, no Norte do país temos localidades com nomes similares: por exemplo, Viseu em Portugal, Viseul de Sus e Viseul de Jos. Em romeno, um correspondente para Albufeira seria Alba Iulia, que tinha na Idade Media o nome eslavo Balgrad, ou na toponímia localidades que têm o mesmo sentido: Chaves respectivamente Cheile Turzii, Cheile Bicazului, Lagos, Lacul Rosu, Ponte de Barca, Corabia.
Na Roménia encontramos em quatro aldeias de Transilvânia (Taure, Padureni que tinha o antigo nome de Fiop, Caianu Mic e Manastirea Perto de Dej) um ritual de fertilidade numa dimensão pagã, de origem hispânica. No dia de Pentecostes (Rusalii), um vitelo é solto pelo dono para ser preso pelas moças, que o vão lavar no rio, e o decoram com flores. Uma localidade onde há este ritual, no distrito de Bistrita, Taure, o nome conserva o étimo latino taurem como o português “touro”.
O grande historiador e homem de cultura, o romeno Nicolae Iorga (1871 – 1940), sintetizou ao nível cultural as relações luso-romenas, num capitulo dedicado a Camões na História das Literaturas Românicas (Bucareste, 1920) num estudo de 1925, Um Príncipe Português Cruzado na Valaquia do século XV trata do encontro entre os príncipes D. Pedro (das Sete Partidas) e Dan II de Valaquia. Em Março de 1928 Iorga fez uma viagem a Portugal e deu conferências na Sociedade de Geografia sobre os países latinos e a latinidade. O jornal bilingue romeno-português Diáspora Romena e Moldava, nº 2, dedicado ao Nicolae Iorga, o homem que mais escreveu no mundo, dá conta da forma como foi ilustrada a visita do grande professor universitário e académico na imprensa daquele tempo. Visitou Coimbra, Lisboa, Porto e Évora, onde descobriu um retrato desconhecido de Miguel o Bravo, o príncipe que unificou pela primeira vez os três principados romenos em 1600. Regressando à Roménia promoveu a realidade portuguesa realizando quatro palestras e publicando uma obra intitulada O País Latino mais Afastado da Europa: Portugal (Bucareste, em 1928) (cf. Dan Caragea, iorga em Portugal, jornal Diáspora Romena e Moldava, nº2, p.4).
Em Portugal viveram dois grandes homens de cultura. O primeiro foi o filósofo Lucian Blaga (30 de Abril 1939 – 30 de Abril de 1940) como ministro plenipotenciário da Roménia em Portugal, regressando à Roménia para ocupar a cátedra de Filosofia da Cultura, e o grande historiador das religiões Mircea Eliade que chegou a Portugal vindo de Londres em 1940 para uma estadia de quatro anos. Blaga escrevera poemas onde fala sobre Estoril, e Eliade publicará artigos na revista Acção como, por exemplo, “Eminescu e Camões”, “O homem que mais escreveu no mundo – Nicolae Iorga” e o livro Os Romenos, Latinos do Oriente (Lisboa, Clássica Editora, 1943). Mencionamos a aliança entre a casa da Bragança e a Casa Real da Roménia, tendo o rei Carol II vivido os últimos dezoito anos da vida na “casa Rei Carol” do Estoril, em resultado dessa aliança.
Em Portugal, são conhecidos por promover uma boa dimensão humanista alguns romenos, entre os quais mencionamos: no ano de 1962 em Coimbra, na Cadeira de Línguas Românicas, o professor Eugénio Coseriu que, vindo de Montevideu, seguiu depois para Tubingen. É seu o estudo introdutório da Gramática da Linguagem Portuguesa (1536) de Fernão de Oliveira (Lisboa, 2000). Além deste, a emérita professora de língua francesa, diplomata Magdalena Serbanescu, o professor Victor Buescu, leitor de língua, literatura e cultura romenas, o mestre Daniel perdigão, leitor da mesma cadeira, de origem portuguesa mas formado na Roménia, Roxana Eminescu que publicou Novas Coordenadas no Romance Português (Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1983), e, juntamente com Fátima Gil, Catalogo de Traduções de Autores Portugueses (Lisboa, Instituto Camões e Fundação Calouste Gulbenkian, 1994). O professor Dan Caragea que publicou Viver em Portugal, Curso Português Básico para estrangeiros (Lisboa, Universitárias Portuguesas, 1995) e Mioara Caragea, autor de Antologia do conto Português Contemporâneo. Exercícios e Comentários (Lisboa, Universitárias Portuguesas, 1996), e o recente jornal bilingue romeno-português Diáspora Romena e Moldava (Lisboa, 2004), cujo director e proprietário é Romeo Marin, contribuíram para a divulgação das duas culturas.
Na Roménia, nos últimos tempos há secções de língua, literatura e cultura portuguesas em Bucareste, onde foi leitor José Bettencourt Gonçalves, em Constanta, Iasi, Cluj e Timisoara. Os principais cursos de língua portuguesa para romenos são elaborados pelos professores Dan Caragea, Mioara Caragea, Pavel Mocanu, Angela Mocanu, Micaela Ghitescu, e , recentemente, por Adriana Ciama. Existe também para os leitores portugueses um excelente livro de Grigore Dobrinescu, Gramática da língua romena (Petropolis, Vozes, 1980). Entre os trabalhos académicos elaborados nas várias universidades romenas, podemos destacar algumas teses de mestrado e doutoramento que incidem sobre estudos relacionados com os dois países, por exemplo, a tese de doutoramento de Mariana Boca, da universidade de Suceava sobre Cioran e José Régio. Entre os tradutores que promovem a literatura de língua portuguesa de Portugal e Brasil destacam-se: Micaela Ghitescu que traduziu mais de quarenta escritores, tendo recebido, quando traduziu a História de Portugal de A. H. Oliveira Marques, o Prémio de Tradução da Sociedade da Língua portuguesa. Outros tradutores, como Stefan Bitan, que traduziu Manuel Alegre, e Dinu Flamând, que traduziu algumas obras de Fernando Pessoa. Mioara Caragea traduziu para a língua romena obras de Agustina Bessa-Luís, Eça de Queirós e José Saramago, tendo ganho o prémio da Sociedade de Língua Portuguesa de Lisboa. Dan Caragea traduziu a obra Luuanda, do escritor angolano Luandino Vieira, e uma antologia de poesia portuguesa. Doina Zugravesu traduziu admiravelmente para língua portuguesa poemas inseridos na obra colectiva Rosa do mundo: 2001 Poemas para o Futuro (Lisboa, Assírio & Assírio, 2001). Mariana Boça prepara uma tradução da obra de Mia Couto O último Voo do flamingo. A Editora Polirom, de Bucareste, manifesta um grande interesse pela tradução de José Saramago, tendo já publicado quatro romances, entre os quais O Ano da Morte de Ricardo Reis. Outras editoras interessadas em promover a cultura lusófona são a editora Teora, onde Pavel Mocanu publicou a sua nova versão do Dicionário Português-Romeno, Romeno-Português (2001, 2002, 2003), a Editora Niculescu, onde Micaela Ghitescu publicou uma gramática de língua portuguesa para os romenos (1999), a Meteor Express e a Editora Sport-Turism. O livro do professor Pavel Mocanu Documentele Diplomatice Portugheze din secolele al XVIII-lea si al XIX-lea Privitoare la Tarile Române, Bucuresti, Meteor Press, 2003 (“Documentos diplomáticos portugueses dos séculos XVIII e XIX sobre os principados romenos”) põe em evidencia as relações luso-romenas e o interesse dos Portugueses pela situação politica e conflitual no território da Europa de leste.
À Roménia chegam de Portugal diversos produtos. Assim, os Romenos dizem ceai o que mostra que receberam o chá dos Portugueses e, ao dizer portocale, na consciência do povo romeno este nome está associado com o nome Portugalia (Portugal), mas os linguistas optam pela sintagma porto calem.
O fortalecimento das relações luso-romenas ocorreu no início do século XX: assim, o primeiro país de onde Portugal importou petróleo refinado foi a Roménia, por intermédio do judeu Scheinn, e o primeiro pais que felicitou o povo português pelo 25 de Abril de 1974 reconhecendo o novo governo revolucionário foi a Roménia.

Simion Doru Cristea

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